terça-feira, 11 de dezembro de 2007

10 razões para escrever em Português (de Portugal)

Como podem ler e constatar os portugueses, os que falam português, os que dizem que são portugueses mas escrever e falar não é umas das suas melhores qualidades, os que aprenderam português sem terem percebido muito bem porquê ou mesmo o que é Portugal e onde fica, os que não tinham outra opção e os demais, estou a escrever em....português de Portugal, e antes que se perguntem, sei la, Porque? eu respondo com 10 explicações distintas e todas elas enquanto o Rocinante me vai carregando...

1. Porque o Rocinante, é um belo corcel, mas já me chegou à posse adulto. Era um daqueles cavalos da Guarda Nacional Republicana, que pertencia a um agente, então reformado, que pretendia comprar uma das novas lâminas de barbear da gillete, mais concretamente a Gillete Fusion Power.Isto, de forma a a aparar o seu bigode, de longo termo, e não tinha rendimentos suficientes para o efeito e como tal, havia decidido vender o belo animal. E eu disse: "te doy 10 000 reyes", e ele disse :" oh shor quixote, isso ainda é um bocado de dinheiro, não estará a prevaricar um pedaço?" e eu respondi " no te entiendo, pero assi usted puede comprar muchos Gillete Fusion." e assim o convenci. Ora, posto isto, o raio do animal, não entendia o espanhol. E disse eu para mim próprio: "tengo que aprender a hablar portugues". Tive assim de aprender a falar e a exprimir-me na língua portuguesa. Língua de poetas como Camões, Fernando Pessoa, Santa Rita Pintor e Tozé Brito. Desde esse dia, nunca mais a besta do animal me defecou sem permissão. Pois agora, entendemo-nos como dois bons amigos.

2. Português (de Portugal). Ora bem, foi a única opção que me surgiu. Eu bem que pretendia algo mais exótico como Português (do Zimbabué), que seria leccionado pelo senhor Robert Mugabe, depois de esquartejar o homem do leite, por lhe ter servido uma meia de leite muito escura. Ou entao, e uma opção muito querida, a de aprender português (da china) e apender a falar trocando os rr pelos ll e assim dizer ao ver um rato - " ai o estupol do loedol loeu-me a glavata", ou então, "Gillete Fusion Powel". Havia sempre a opção muito parva de aprender Português (do Brasil) mas quer dizer...também não ia estar a inventar coisas tão malucas. E depois as pessoas iam andar por aí a dizer que o cavaleiro andante Don Quixote, anda um bocado lerdinho das ideias, como quem diz, anda aparvalhado de todo, ou então em Português (da China) - "o laio do cavaleilo está mesmo loído dos colnos, se calhal foi o lato, loedor malvado". E assim, por exclusão de partes, fui até às ilhas Canárias, a Lanzarote e o meu bom e fiel amigo José Saramago ensinou-me a falar português e a desejar que Portugal fosse uma província espanhola.

Entretanto, o Rocinante está a exprimir-se em português (de portugal), e a dizer muito claramente - " quero cagar, meu bom amigo Dom Quixote". Vou ali dar-lhe a permissão para o acto de expelir as secreções, até porque o animal é de uma cor clara, e o amarelo nele não fica bem, porque começa a parecer um burro. E um cavaleiro num burro,não será, convenhamos, a melhor das imagens para as belas donzelas, nem tão pouco uma imagem forte e temível para os dragões que se aproximam pelo caminho. Depois então, continuo as razões desta minha forma de expressão em português (de Portugal)... enquanto em Portugal não se fala espanhol.

3. Liberdade de expressão. Porque em Portugal, um dia, alguém decidiu quebrar as regras, e esse dia fica marcado na história do país. 25 de Abril. Supostamente o rumo das coisas, de todas as coisas mudariam. Disso não falo agora, mas, nesse dia, alguém deve ter sonhado que daí em diante, cada um, todos nós, poderia expressar-se livremente, não só no que diz respeito à forma dessa expressão, mas também ao conteúdo. desde esse dia, a loucura é uma questão de maioria, que neste caso serve para apelidar uma minoria que ousa ser diferente, ter opinião diferente, falar de coisas diferentes. Eu, que cavalgo dia e noite em busca desses dragões, eu que luto por mim e pelos outros, eu que amo sem limites, desequilibradamente, amor só comparável à minha capacidade de sonhar, vou ousar, arriscar em falar de algo totalmente sem sentido....para honrar esse dia, em que alguém tem de ter acreditado que um dia, alguém como eu, da minoria, da parte dos loucos iria falar...de balões.
Balões... Gosto de balões. De todas as cores, de cor nenhuma. Gosto deles cheios de ar, gosto quando se enchem de hélio e aprontam-se para voar. Pudesse eu encher-me de hélio e também voaria. Já tentei mas apenas resultou numa voz muito irritante que fez o Sancho e o Rocinante fartar de rir. Eu também daria uso do escárnio se um qualquer cavaleiro se aproximasse de mim, de armadura e espada, pronto a enfrentar uma batalha e me falasse naquele tom de voz. Na verdade, espernearia de tanto prazer e riso. Mas fui eu, e não achei tanta piada. Pudesse eu voar e não falar assim e voaria, e então, seria eu mesmo a rir. De tanto sonhar que posso voar por vezes esqueço-me que os meus pés estão presos ao chão..essa gravidade que nos desgasta e cansa. Gosto de balões. Gosto de os agarrar, senti-los e soltá-los. Depois olho atentamente o seu desafio enquanto sobem no ar, perdendo-se no ceu. Enquanto permanecem pequenos pontos coloridos nesse céu, eu olho sem pestanejar...Todos temos balões, todos sopramos até o ar dos nossos pulmões desaparecer quase completamente. Todos os agarramos. E de vez em quando há alguém que chega, de fisga na mão, e num acto pouco aleatório, rebenta o nosso balão. Pedaços dessa esperança de o ver sumir-se no ar restam no chão....enquanto os olhamos, a ternura do que foi, do que poderia ter sido, enche novamente os pulmões de ar... e é aí, que entre as lágrimas que não se soltam, e a inércia que tenta dominar, que decidimos continuar, cometendo os nossos pequenos crimes que dirariamente é soltar balões... Uns chamam-lhe sonhos, esperanças, crenças, sentimentos, ambiçoes. Outros preferem andar de fisgas e de pedra na mão, agulhas escondidas e prontos a rebentar um balão. Um balão qualquer, porque qualquer um lhes serve. Esses, acham que eu não posso escrever o que me apetecer, mesmo que o sentido seja somente para mim, mesmo que no mundo não exista quem repare nos balões. Uma pessoa que não conheci, um homem chamado Johan Franck, num poema que Bach mais tarde aproveitou para inspirar uma das suas composições disse: "Enfrente o velho dragão. Enfrente o medo. O mundo pode desabar, mas continuarei cantando em paz."
Podem rebentar os meus balões. Tenho muitos e são meus, tenho mais, muitos mais. Por cada um que rebentem, mil se me surgem para encher...tenho ar que chegue nos pulmões para enche-los a todos, para encher muitos mais. Eu, que enfrento Dragões, posso ver os pedaços de balões no chão, mas não vou desistir de ver pontos coloridos no céu, sem pestanejar. Sem hesitar, levanto-me e afirmo que aquele dia desse país Portugal serviu para muito mais do que até agora conseguiram fazer com ele. Eu optei por encher, agarrar, sentir e largar balões.... E continuar, sem sentido aparente. Mas eu sei que existe...
O Sancho adormeceu, o Rocinante está a comer... eu gosto de sonhar, e de balões. Gosto muito de balões...